Vidas

O vento corria forte, nas arcadas dos decadentes espaços comerciais. O ar vetusto e sujo das fachadas e dos recantos, dava o enquandramento cromático, enquanto a música do ar a passar rápidamente entre os pilares, criava um ambiente particularmente soturno, frio.
As beatas, leves, retocidas, deixadas para trás depois do instantâneo vício alheio, acomodavam-se nas reentrâncias dos passeios, como que a se protegerem do frio. As pessoas, aos magotes, a entrarem e a sairem freneticamente dos autocarros, passavam carrancudas, quiça a adivinharem ou a desejarem chuva para o mundo inteiro.
Coloquei os meus phones, com ligação directa ao meu mundo musical, apertei o casaco e com um sorriso mal disfarçado segui em passo largo pela calçada semi escorregadia.
Os transeuntes, de aparente espirito cinzento, passaram rapidamente a meros borrões visuais, que se mesclaram na cor dominante da calçada, dando mais destaque ao amarelo contrastante dos separadores da via.
Segui, como sempre faço nestes momentos, sem rumo.
Ao fundo, o riso contagiante de uma criança acordou-me novamente.
Parei a musica, olhei em volta e do outro lado da estrada estava uma menina, equipada a rigor para a chuva, a saltar freneticamente, com as suas deliciosas galochas cor de rosa, dentro de uma enorme poça de água, enquanto se ria descontroladamente de regozijo, para desnorte do pobre avô que a acompanhava.
Contive a gargalhada por uns instantes, voltei a esconder o sorriso, coloquei a musica nos ouvidos, e deixei-me absorver por mais um quadro da vida mundana, real, simples.

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