A aleg(o)ria do triciclo…


Joana, Joaninha para os amigos do colégio, era uma pequenininha menina de 5 anos, cheia de genica e já com vincados traços de personalidade.
Inserida na já vasta, mas muito pouco definida, classe média, tinha nos pais trabalhadores a sua fonte de sustento e bem-estar.
Os pais de Joaninha, haviam-lhe prometido a compra de um triciclo, sendo que, tinha a premissa de ser melhor do que o da Carlinha do 3ºEsq.Como é certo e sabido, uma promessa destas, feita a uma criança, nunca será esquecida, alias, será mesmo reforçada, pelas trezentas e cinquenta e duas vezes que ela levará a repetir que “temos de ir comprar o triciclo” acrescentando às duzentas e vinte e duas vezes que dirá “quando é que vamos ao triciclo mama?” ou ainda “é hoje papá, é hoje?”.
Era chegado o grande dia, Joaninha saiu bem cedo de casa, com um sorriso que dava duas voltas na cara, em busca do triciclo multicolor que havia de envergonhar a vizinha “apressada”.
A frase mais ouvida no modesto carro da família era “vamos papá, mais deforça, depressa, olha eles todos, mais rapidinhos que nós papá!!”.
Depois de enfrentar uma enorme fila de Domingo, chegaram finalmente ao paraíso dos triciclos, eles era altos, baixos, de três rodas, de quatro, coloridos, cinzentões, com pedais, com motor, enfim, parecia a escolha do rapaz mais giro da classe. Qual o mais giro? Qual o mais forte? Qual tem mais charme? Qual me irá arrancar um sorriso? Qual me fará rir? Qual será mais meu amigo? Qual chegará a casa com as rodas limpas? Enfim, um nunca mais acabar de questões pertinentes.
Depois de muito escolher, Joaninha, levou um esbelto triciclo multicolor, que na sua consciência de menina pespineta de 5 anos iria encher de inveja a sua amiga Carla.
O sol já ia murcho pelo horizonte, quanto a absolutamente exausta família chegou a casa. Obviamente que Joaninha, teve de ir de triciclo multicolor até ao andar da amiga apenas para lhe fazer inveja. “Já viste o meu triciclo novo, Carlinha?” “É giro não é?””Vamos dar uma voltinha na rua?” A amiga acedeu, embora renitente e com ar de quem adivinhava o que ia ouvir o resto da tarde.
O meu é isto, faz aquilo, toda a gente olha, é fantástico, maravilhoso, tira bicas, faz tostas, é o melhor…enfim, as horas passaram e Carlinha já não aguentava mais. De lágrimas a aflorar os olhos, Carlinha escutou na voz da mãe, que a chamava para jantar, a salvação daquele momento absolutamente constrangedor. Nunca mais se falaram. Carlinha acabou por se mudar nesse mesmo verão, devido a uma proposta de trabalho que o pai teria arranjado no norte do país.
Passaram os anos, sararam as mágoas, e por obra daquele personagem, muito falado mas nunca identificado, foram novamente juntas pelo tal destino. Os velhos tempos, vieram a baila, passaram uma borracha sobre o assunto e seguiram em busca dos “triciclos” apropriados a sua idade, tiveram historias bem diferentes, com sortes bem distintas, que contarei num outro dia…e pensar que tudo isto poderá ter começado com um triciclo…

Comentários

Amorphico disse…
Gosto do que fazes com as palavras. Parabéns.

ps: "tira bicas, faz tostas" ?!?
vê lá o que é que a tua criança de cinco anos vai querer a seguir :)
Olavo disse…
Obrigado amorphico.
Eu gosto do que as palavras fazem comigo.
Sorrindo e caminhando, a vida vamos levando...
Amorphico disse…
Admirável a tua postura!

Faz-me lembrar:
"Não tenhas planos para a vida para não estragares os planos que a vida tem para ti."
Agostinho da Silva, [1906-1994]

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