A cegueira dos sentidos, a descoberta dos sentimentos, o sorriso no fim da linha…


João era um rapaz simples, de famílias humildes do litoral algarvio. Gostava de sentir o mar, senti-lo na verdadeira acepção da palavra. Em pequeno perdera o poder da visão, e contava agora, apenas com os seus outros sentidos. Era feliz no seu mundo, nos seus círculos, nas suas amizades.
De manha, acordava com um sorriso, ao ouvir o breve canto dos pássaros madrugadores, sentia na pela o vento que passava pela janela mal fechava, sentia na alma, o aroma do exterior que lhe perfumava os sentidos, este era o seu verdadeiro mata bicho.
Quando a claridade chegava ao monte, ouvindo o velho tractor do Sr. Amândio, João sabia, que era chegada a hora da alvorada, levantava-se num pulo, servindo-se do seu enorme poder de localização, deslizava até ao quarto de banho e tratava da sua higiene pessoal. Enfiava-se na roupa, preparada pela mãe na noite anterior, que ficava sempre em cima da cadeira de baloiço, da avó Catarina.
Tacteando e acreditando na sua visão mental, avançam como que vendo os sítios por onde andava, e saia porta fora, correndo como um jovem adolescente, ou um adulto imberbe, como tantos outros que pululam pelo nosso mundo azul.
No meio da enorme planície que dava continuidade ao seu terreno, João avançou imparável, até aos limites, até à sua praia de estimação. De braços estendidos ao vento, correu, correu como se não houvesse amanha, como se a sua vida estivesse naquele poucos segundos de prazer, até chegar ao êxtase da sua praia, dos seus rudes grãos de areia que se colavam no meio dos dedos, das suas ondas que rugiam, mas não o intimidavam, do seu sol que o acarinhava mas não o queimava. João era feliz, neste seu mundo, que embora limitado aos olhos dos outros, era perfeito nos seus negros e brilhantes olhos, que apenas reflectiam a luz.
O tempo foi passando, João foi crescendo, e um dia, numa mistura de cheiros e gargalhadas, descobriu o amor. Nessa altura pegava nas palavras como ninguém, manipulava-as, com mestria e desenvoltura, deixava qualquer um boquiaberto, com tamanha fonte de sapiência e sabedoria arquitecto-literaria. Tinha noção que era especial, mas não pelas razões que os que o desconheciam, lhe apontavam no primeiro encontro. Era especial, na maneira de sentir.
O amor virou paixão, a paixão virou amor, João descobriu o prazer e finalmente encontrou a dor…
Um dia por infortúnio dos caminhos tortuosos da vida, João viu-se privado do seu amor, da sua enorme paixão, do seu ganha-pão de emoções.
Nesse dia, de pesada memoria, João voltou a sua praia, correndo pelo seu terreno como se não houvesse amanha, e terminou em lágrimas por cima da sua areia de estimação.
Nesse dia, João percebeu, que a cada passo que dera, uma lição aprendera, alicerçara, absorvera.
Nesse dia, João quis por instantes regressar no tempo, e chegar em êxtase a sua praia de estimação, mas foi só por instantes, até recuperar os sentidos e perceber as valiosas lições que se retiram dos mais dramáticos acontecimentos.
Nesse dia, João aprendeu a arte da relativização, os problemas passaram a ser relativos…
Abrindo os braços para o ar, em busca da breve brisa de Primavera, João pensou para si
“… a vida, por mais madrasta que seja, mais traiçoeira, tem sempre a capacidade de surpreender quem dela espera tudo, e eu esperei, e esperei, e esperei, até que um dia encontrei, aquilo que tinha procurado toda a minha vida. Obrigado por existires…”

Comentários

Neptuna disse…
bonito.. tens que parar de parar de escrever. um beijinho
Lita disse…
... mais, mais... queremos mais!!!!
Anónimo disse…
Bom regresso amiguinho, ainda por cima com um novo look.
keep going

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