Gavetas, com sorrisos doces, no lusco-fusco...

Com o lusco-fusco a atingir o horizonte, pintando o céu em tons pastel escuro, a as estradas encadeadas a ficarem definitivamente para trás, lembradas apenas pelos rasgos da luz traseira do carro, eu disse-lhe numa voz quase a medo, quase sussurrada, “já estás a dormir?”, ao que ela me respondeu docemente e com olhar contemplativo “não, estou apenas a pensar na vida”.
Estas palavras entraram em loop na minha cabeça, e de lá não saíram, até que também eu fiquei a pensar na vida, na minha vida…
Durante dias, nas primeiras horas da manhã, em plena tranquilidade de um lar pejado de dorminhocos, fui arrumando e reorganizando as várias gavetas da minha mente, ainda meio cheias e desarrumada com a última grande revolução… a maior até hoje. Mas naquele momento, ouvindo aquelas palavras, e com um sorriso meio louco cravado no rosto, vindo não sei de onde, voltei a desarrumar tudo instantaneamente, gaveta por gaveta, todas fora do sitio, e voltei a olhar para elas com olhos de ver…
A claridade desapareceu em definitivo, e o manto negro cheio de pontinhos brilhantes, começou a fazer as delícias de quem percorria as estreitas estradas sem destino rígido nem horários. Nessa altura voltei a perguntar-lhe “ainda a pensar na vida, ou já a dormir?”, ao que ela de sorriso terno respondeu, “agora já estava quase a dormir”…
Não arrumei as minhas gavetas todas, percebi finalmente que há gavetas que tem de ficar mais algum tempo a arejar, mas foi importante voltar a abri-las, deixa-las respirar, deixa-las realizar.
É giro, como há palavras, que ditas quase que de uma forma displicente, podem ter tanto significado nos nossos ouvintes…
Obrigado
Sorrindo e caminhando, a vida vamos levando…

Comentários

Lita disse…
Achei este teu texto delicioso, doce e - como bem disseste - de sorriso terno.

É bom ler palavras que têm milhares de outras, nas entrelinhas...
Adorei.
Olavo disse…
As palavras são meros veiculos de comunicação...nem sempre representam tudo aquilo que se diz, mas poucas são as vezes, em que não se conseguem vislumbrar, nas finas entrelinhas, tudo aquilo que se sente...
Obrigado pelas tuas palavras.
Bjinho

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